— Oi, Marta. O que você tem aí?
— Um saco de pão — disse ela, mostrando a embalagem. — Você quer um?
Não, obrigado — respondeu André, com educação. — Será que vai chover hoje? 
Marta olhou para o céu, analisando as nuvens escuras que se formavam aos poucos. — Acho que sim. Você quer um guarda-chuva emprestado?
— Não precisa — disse ele. — Acho que consigo chegar em casa antes da chuva.
— Neste caso — ela o encarou, agitando as mãos. — É melhor você se apressar!
— Ah, tem razão. Até mais! — ele jogou a mochila no ombro e foi embora sem olhar para trás.

Criar bons diálogos, que sejam interessantes e ao mesmo tempo soem com naturalidade, é um dos grandes desafios para o autor de ficção. Dentro de uma narrativa, os diálogos exercem um papel fundamental na condução da história e não devem ser criados sem intenção ou estratégia. 

Vejamos o exemplo acima criado exclusivamente para este texto e vamos analisar a conversa entre Marta e André por partes. Primeiramente, trata-se de um diálogo sem contexto, que não explica o ambiente e não sabemos como seria essa história. Mas mesmo sem conhecer a história, há um elemento importante a ser observado: o diálogo parece não ter função!

Propositalmente produzi um diálogo com uma conversa banal entre duas pessoas. Uma mostra um saco de pão, outra pergunta sobre o tempo. A conclusão é de que André precisa ir embora logo e ele vai. Podemos pensar que, em uma história de verdade, este provavelmente seria um diálogo sem função, a menos que a história justifique os elementos apresentados. E, na ficção, nada é por acaso, tudo é justificado e há intenção por trás das cenas que são criadas.

O diálogo começa com Marta segurando um saco de pão. Isto é importante para a história? Se este saco de pão tiver algum sentido, como mostrar uma característica importante da personagem — neste caso, que Marta come compulsivamente, por exemplo —, a presença do elemento no diálogo faz sentido. Se Marta estiver escondendo algo naquele saco que será revelado ao leitor mais tarde, ou se o pão, na verdade, é uma prova de que Marta é uma ladra e isto irá agravar o conflito mais tarde, ou qualquer coisa do tipo, temos uma função, ainda que de cara pareça banal.

Mas se o saco de pão pouco importa, se André ter recusado ou comido um pão é indiferente; se a chuva também não importa e se a pressa para voltar para a casa não for resultar em nada de importante para a história, temos um diálogo sem função. É este o primeiro cuidado que você deve tomar. Crie diálogos necessários, que mostrem a personalidade dos seus personagens, que façam a história avançar, que provoquem reflexões relacionadas com a sua trama e toquem nas feridas do protagonista, que revelem informações importantes ou causem dúvida no leitor e o principal: que sejam capazes de agravar o conflito.

Então, Ana. Isto quer dizer que a minha personagem não poderia simplesmente segurar um saco de pão?

Não exatamente. Dentro da narrativa, você vai enriquecer os diálogos com ações e pode ser que segurar um saco de pão seja uma ação natural em uma cena que se passa na cozinha da casa de alguém. Mas neste caso, você não dará ênfase para esta ação. Você pode colocar uma quebra em uma fala do tipo: “— respondeu Marta, abrindo o saco de pão.”.  A ação está lá, trazendo naturalidade para a cena, mas sem fazer o leitor entender que o elemento importa.

Aqui nos temos mais uma lição importante: não dê ênfase em nada que não terá futuro na história. Se você der importância ao saco de pão de Marta, o leitor passa a criar uma expectativa de que tem algo ali. Você gera frustrações na leitura quando apresenta elementos, cenas e personagens que não influenciam na história. O leitor quer saber como aquilo irá se relacionar com o conflito e no fim das contas, nada acontece.

Leia também: Dicas de ouro para melhorar a sua escrita em um mês.

Ações entre diálogos

Foto: Artur Voznenko – Unsplash (imagem ilustrativa)

— Oi, Marta. O que você tem aí?
— Um saco de pão — disse ela, mostrando a embalagem. — Você quer um?
Não, obrigado — respondeu André, com educação. — Será que vai chover hoje? 
Marta olhou para o céu, analisando as nuvens escuras que se formavam aos poucos. — Acho que sim. Você quer um guarda-chuva emprestado?
— Não precisa — disse ele. — Acho que consigo chegar em casa antes da chuva.
— Neste caso — ela o encarou, agitando as mãos. — É melhor você se apressar!
— Ah, tem razão. Até mais! — ele jogou a mochila no ombro e foi embora sem olhar para trás.

Agora vamos analisar mais um ponto importante dos bons diálogos, além da função. Quando você escreve uma cena, você precisa causar um efeito na mente do leitor, fazer com que a imaginação dele trabalhe e crie imagens mentais de acordo com o que está sendo lido. Este processo é mais fácil quando há estímulos que ajudam na visualização. 

Em negrito, estão as ações entre os diálogos, que facilitam a visualização da cena. Você pode colocar isto de outra forma, antes ou depois das falas. É interessante fazer algumas quebras em falas longas, sempre levando o leitor a imaginar a cena enquanto acompanha a conversa.

O diálogo acima também poderia ter sido escrito desse jeito:

— Oi, Marta. O que você tem aí?
— Um saco de pão. Você quer um?
— Não obrigado. Será que vai chover hoje?
— Acho que sim. Você quer um guarda-chuva emprestado?
— Não. Acho que consigo chegar em casa antes da chuva.
— Neste caso é melhor você se apressar!
— Tem razão, até mais!

Qual das duas versões é mais interessante e mais fácil de imaginar a cena? Com certeza, a primeira! Temos ações que guiam o leitor para que ele enxergue as duas pessoas conversando com mais naturalidade. Quando você corta o seu diálogo com alguma ação, você melhora a experiência do leitor e o envolve mais com a história.

Mas isto não quer dizer que não se possa fazer bons diálogos como na segunda versão. Há autores que preferem diálogos mais diretos, menos floreados e isto pode ser parte do estilo pessoal. Mas neste caso, é importante enriquecer a cena antes ou depois do diálogo, para que o leitor consiga visualizar bem o contexto e o ambiente da conversa que será apresentada.

Expressão do personagem

Vamos agora analisar um trecho do livro “O Ódio que Você Semeia”, de Angie Thomas.

“Quando Ava se afasta, vovó diz:
— Quando vocês vão me levar de volta para a minha casa?
— O que aconteceu? — pergunta mamãe.
— Fale baixo! — Ironicamente, ela não está falando baixo. — Ontem de manhã, tirei um bagre para fazer no jantar. Ia fritar com bolinhos de milho, batatas fritas, serviço completo. Saí para fazer umas coisinhas.
— Que tipo de coisinhas? — pergunto só por perguntar.
Vovó me lança “o olhar” e é como ver mamãe em trinta anos, com algumas rugas e fios grisalhos que ela deixou passar quando pintou o cabelo (ela bateria no meu traseiro por dizer isso).
— Eu sou adulta, garotinha — diz ela. — Não me pergunte o que eu faço. Enfim, eu voltei para casa e aquela mulher tinha coberto meu peixe de flocos de milho e assado!
— Flocos de milho? — pergunto, dividindo o cabelo da boneca.
— Sim! Falando que “é mais saudável assim”. Se eu quiser comer comida saudável, eu como uma salada.
Mamãe cobre a boca, e os cantos dos lábios dela estão virados para cima.
— Achei que você e Pam se davam bem.
— Nós nos dávamos bem. Até ela se meter na minha comida. Eu já aguentei muita coisa desde que cheguei aqui. Mas isso… […]”

Em “O Ódio que Você Semeia”, Angie Thomas foi brilhante na construção dos diálogos com bastante naturalidade e podemos perceber um ponto forte nas falas desta obra: como uma personagem idosa, adulta, adolescente, criança ou membro de gangue se expressa. São linguagem diferentes, assuntos diferentes, que são compatíveis com a faixa etária e realidade construída ao redor dos personagens.

Neste diálogo, temos três personagens de gerações diferentes. A idosa, a filha e a neta adolescente que é Starr, a protagonista. Embora isto fique claro na dinâmica da conversa, não é difícil de associar o jeito que a “vovó” se expressa com uma fala natural de uma idosa.

Para que os seus diálogos fiquem naturais, faça com que os seus personagens se expressem de forma adequada, considerando se é homem ou mulher, jovem ou idoso, nível de instrução dentro da narrativa e características que podem influenciar no linguajar. Se o personagem for idoso, vai soar estranho ele usar expressões muito modernas e se for uma adolescente, vai ser muito esquisito se ela olhar para a amiga e falar: “— mas ele é um pitel! Nunca vi um garoto tão bem-apessoado!”

A menos que a sua história seja de outra época. Esse é um exemplo extremo, mas acontece de forma mais sutil e faz a história perder um pouco da credibilidade. Um erro comum normalmente acontece com personagens que são crianças. O autor não toma o cuidado de deixar a linguagem mais simples e infantil e acaba criando diálogos complexos e muito elaborados para a idade da personagem.

Naturalidade dos bons diálogos

Por fim, podemos dizer a naturalidade dos bons diálogos é resultado de uma harmonia entre personagens, ações e a forma como eles se expressam na narrativa. A primeira preocupação é deixar o jeito de falar compatível com a sua personagem e só este elemento é capaz de trazer muita naturalidade.

Mas isto não basta. Ainda que as gírias e modo de falar esteja compatível, o diálogo pode parecer forçado se você utilizar a linguagem escrita, o que acontece facilmente, pois estamos escrevendo. Para que isto não aconteça, sempre leia seus diálogos em voz alta quando terminar. Esta prática ajuda a identificar o que não é natural na linguagem falada e assim você pode trocar as expressões.

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