Uma história de ficção bem construída é regida por sistema que deve ser desenvolvido previamente. Veja como planejar um livro de ficção.

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Precisamos estar de acordo com um fato antes mesmo de começar a falar sobre planejamento: se você quer criar uma história sagaz, inteligente e capaz de surpreender o leitor, tem poucas chances de chegar lá se começar a escrever o livro sem pensar direito na trama.

O enredo é um sistema não necessariamente linear. Você tem uma série de circunstâncias que causaram situações, ações e reações, que resultaram no seu conflito, no seu inevitável agravamento, em obstáculos, aprendizados e no desfecho surpreendente. Agora, como construir uma história de qualidade se você pensar: “meu personagem é o fulano, ele vai fazer isso e isso e isso” e então começar a escrever?

Uma história bem construída exige um planejamento que começa com uma ideia inicial, uma premissa, uma faísca de algo que você tem vontade de construir. Essa ideia pode surgir de diversas formas: uma conversa que você teve com alguém, um sonho repentino, algo que você assistiu e gostou do conceito, ou mesmo um caso real que você ouviu falar e acabou surpreendido.

Para começar essa jornada do planejamento, o primeiro ponto a se refletir é: que tipo de história você quer criar, qual é o efeito que você quer causar no leitor. Quais obras, séries, filmes que você consumiu provocaram um efeito semelhante ao que você gostaria de causar com a sua obra? Comece por aí, busque clareza do que você quer transmitir, que tipo de história mais te motiva a escrever.

E para isso, eu já tenho uma dica: as suas leituras dizem muito sobre o tipo de história que você quer escrever. Se você só lê histórias de terror, por que pensa em escrever um romance a la dramalhão mexicano? Se você é fissurado por histórias de fantasia, por que quer escrever um livro de mistério e suspense? Pense naquilo que mais te agrada como leitor, esse provavelmente é o seu gênero também como escritor.

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Expandindo uma ideia

Mas vamos lá, para expandir uma ideia inicial, você precisa pensar em dois elementos: um conflito que seja forte o suficiente para sustentar a sua história e uma questão essencial no seu protagonista, que será influenciada por este conflito. O que é um conflito forte o suficiente? É algo que provoca uma tensão crescente na sua obra e que faz com que o leitor siga a leitura até o final.

Um erro muito comum no planejamento do escritor iniciante é justamente a ausência desses conflitos. Há autores que se empolgam com a construção de um mundo fantástico ou pensam em uma série de acontecimentos para a história e em problemas pequenos, brigas familiares, autodescobertas, uma cena de roubo e outro do personagem irritado que quebra o vaso na parede. O problema é que nada disso se conecta a um conflito forte o suficiente.

Vamos supor que a história começa com uma briga por uma herança. Isto não é o conflito principal, mas pode ser o incidente que, mais para frente, vai desencadear o conflito. Se a briga pela herança segue para um acordo entre os irmãos, uma divisão de bens talvez injusta, mas aceita e a história vai se desenvolvendo sem agravantes, não temos uma história interessante.

Agora se a briga por herança se transforma em sabotagem, ameaças, descobertas de segredos que vão intensificar as relações dos irmãos e enquanto os tios brigam por bens materiais, a menininha negligenciada da família entra no mundo das drogas, desenvolve depressão e está prestes a cometer suicídio. Mas ela tem um irmão que é o único que não ficou cego pelo dinheiro e que precisa abrir os olhos dos pais antes que uma tragédia aconteça. Aí nós temos um conflito grandioso, uma situação que entra em escalada e que está rodeada por um sistema que o autor precisa desenvolver.

E qual é este sistema? O sistema envolve os segredos por trás desses personagens, as feridas internas dos protagonistas, que vão impactar nas suas ações. Mas para que tudo faça sentido e convença o leitor, é preciso buscar justificativas para essas ações, elementos que trarão mais veracidade para a trama que você está construindo.

Ou seja, tudo parte da ideia inicial, mas o sistema precisa ser montado em suas etapas, para depois se encaixar na estrutura do enredo que irá guiar o seu processo de escrita. O ideal é você ter um bom nível de clareza da história e da mentalidade dos personagens antes mesmo de começar a escrever.

Lidando com novas ideias

Kristopher Roller – Unsplash

Uma dúvida muito comum é o que fazer quando novas ideias surgem já no processo da escrita. Há um equívoco sobre o planejamento. Há autores que acham que é um conjunto de regras que devem ser obedecidas com rigorosidade. Mas não é bem assim. Se você pensar deste jeito, sentirá menos fascínio pela escrita, já que você estará apenas se comprometendo a seguir um script e a arte não deve funcionar neste nível de regra.

A verdade é que o planejamento dá a direção que você precisa seguir na história e permite que você fique no controle. Na hora de bolar os capítulos, a dinâmica da história, você poderá desenvolver com bastante liberdade, apenas ciente de que precisa levar os personagens do ponto A ao B por meio da construção de cenas fundamentais.

Mas e se aparecerem ideias melhores no meio do caminho? Sem problema nenhum! Isso apenas exige uma análise e correção da rota da sua história. Você precisa enxergar com clareza como a ideia nova irá impactar a história como um todo. Talvez você precise mudar algumas características dos seus personagens para que faça sentido, talvez você precise reler o que já foi escrito e mexer em algumas cenas e diálogos, fazer ajustes.

Não pule esse processo se alterar a sua história, pois isto pode causar um problema enorme na coerência da trama. Com um pouco de controle, é possível encaixar ideias novas e ter uma história ainda melhor, já que as ideias novas são aceitas quando você percebe que deixam a sua trama ainda mais envolvente.

Como planejar um livro de ficção:

  1. Pense na ideia inicial, a premissa ou ponto de partida da sua história
  2. Desenvolvimento a partir do conflito principal, questão essencial das personagens
  3. Desenvolvimento dos eventos da trama, construção do seu sistema
  4. Construção e aprofundamento dos personagens
  5. Encaixe na estrutura do enredo
  6. Clareza sobre como a história será contada, a ordem dos acontecimentos (não precisa ser linear, você pode “brincar” com o passado e o futuro, deixar peças soltas na cabeça do leitor, que farão sentido mais tarde).

Há muitos pontos a se considerar em todo esse processo, principalmente na parte da estrutura, que eu recomendo usar a de 3 atos por permitir criar histórias mais imprevisíveis. Aos poucos, vou trazendo mais esclarecimentos para vocês sobre todo esse processo.

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